Mônica Brandão
Olá, sou um espermatozóide. Estou dentro da trompa do lado direito de uma mulher. Deveria estar mais à frente, assim como meus colegas, seduzindo aquele que sempre foi a fonte dos meus sonhos mais secretos, na verdade, minha única razão de existir: o óvulo. Mas me falta algo, sou imperfeito, um espermatozóide especial. Apesar da minha fina estampa, sempre muito bem cuidada, não tenho os 23 cromossomos que iriam se fundir com os 23 do óvulo para formar uma célula e depois um embrião. Um defeito grave. Sem essa carga genética, nada feito. Não consigo conquistar um óvulo. Na verdade, pela triagem natural do organismo, eu nem deveria estar aqui. Mas dei um jeito. Ao chegar a este mundo, cheio de esperanças de alcançar minha musa, não saí desembestado como meus outros colegas, correndo o risco de ser logo descartado. Nããão. Desconfiado de que eu tinha algo de diferente, resolvi investigar o terreno, fiz amizades, escutei os mais velhos. Percebi que a vida não precisava se resumir a uma conquista. Encontrei outra razão para viver e seguir em frente: ser um personal lover, um conselheiro sentimental para orientar os coleguinhas.
Lá vem ela
Apesar dos tempos difíceis, arranjei trabalho logo de cara. No segmento amoroso, o campo é fértil e os casais estão sempre louquinhos para fazer bebês - um sinal de saúde em minha opinião. Então, entreguei-me à tarefa com entusiasmo, primeiro observando a chegada dela, gatíssima, no ovário direito, no 14o dia de um ciclo menstrual.
- Uau, fui lançada! Nem acredito que chegou a minha vez - berrou ela, toda assanhada.
Ela é ele no nome, o óvulo, mas vem do universo feminino, é mulher aqui pra nós. Pois bem, ela tinha acabado de passar pela ovulação, um processo que parece longo, mas que dura apenas poucos segundos. É o exato momento em que, no ovário, o óvulo rompe a casca do folículo, um saco protetor cheio de fluidos onde amadurece, e é lançado em direção ao começo da trompa ou tuba uterina. E que bom que assim foi com nossa amiga, pois fiquei sabendo de casos de meninas que erram a mira e vão parar na cavidade abdominal. Aí é preciso um pouco de mágica - que a trompa as atraia quimicamente, às vezes já fecundadas pelo espermatozóide.
Continuando, nossa assanhadíssima senhorita tem cerca de 24 horas (otimistas falam em 48) para ser fertilizada. Nesse período, fica nadando pela tuba uterina, em direção ao útero, com a ajuda de pequenos cílios e dos movimentos peristálticos. Ela aguarda...
- Ah, podemos mudar de assunto, parar de falar de mim? Essa história toda de ovulação, ser lançada, nadar, esperar me deixa muito ansiosa. Tenho verdadeiro horror de morrer solteirona. Quando o espermatozóide vai chegar?
Que multidão!
Está bem, vamos falar dos rapazes. Estão na uretra do homem, naquele papo de macho.
- Quero só ver o desempenho... Quem agüenta? Quem tem peito para chegar na menina? Eu me garanto, heim. E vocês?
- Garante o quê? Sem essa. Não viu o tamanho da multidão? Ouvi dizer que podem ter de 20 milhões a 800 milhões de colegas nesta jornada. É muita pretensão se achar o escolhido. Se é que vai ter um, né? E se dermos de cara com a camisinha?
O espermatozóide tem razão. Descartada a hipótese mais fatalista dele sobre a camisinha (já que o casal envolvido nesta história quer um bebê), pelas contas que fiz, descobri que apenas 4% do grupo lançado pela uretra consegue chegar perto do óvulo. Eles têm um árduo caminho a percorrer e, vamos encarar, a maioria vai sucumbir. E são somente 72 horas de vida no máximo. Em uma ejaculação, 5% são os espermatozóides. Os outros 95% são o sêmen, um fluido adocicado, muito necessário nessa grande quantidade porque protege e fornece energia aos gametas. E eles vão precisar. Têm pela frente a grande travessia da vagina, o colo do útero, o útero e a tuba uterina. São quase 18 centímetros, uma estradona para rapazes com apenas 0,05 milímetro, que caminham a uma velocidade média de...
Na largada
- Nossa, a saída é uma loucura! Nunca imaginei que a gente conseguisse chegar a essa velocidade de quase 16 centímetros por hora. Onde estamos?
- No canal vaginal.
- Só nós estamos, porque aquele grupinho que saiu junto com a gente ficou para trás...
É, a multidão começou a diminuir. São percalços da vida de um espermatozóide. Dada a largada, muitos escorrem para fora da vagina. Outros, sem o devido preparo para a corrida apaixonada de encontro ao óvulo, não suportam o ambiente ácido da vagina. Dizem que aqueles com cromossomo X, que geram meninas, se dão melhor nessa acidez que os portadores de Y, que resultam em meninos. Será por isso que há mais mulheres no mundo? Sei lá, especulação minha. Por outro lado, dizem também que certos espermatozóides são favorecidos nessa hora pelo orgasmo feminino. As contrações apressariam seu percurso para o útero. A verdade é que ninguém tem certeza sobre essas teorias, e o que interessa agora é outra coisa. Meus colegas precisam se preocupar em ultrapassar o muco, uma espécie de porta entre a vagina e o útero. Na maioria dos dias, esse muco é espesso e pegajoso, muito difícil de ser ultrapassado. No período fértil da mulher - cerca de quatro dias antes da ovulação e alguns dias depois -, ele fica mais ralo. A abertura do colo do útero também se alarga, o que facilita o trabalho.
- Ótimo, pessoal, entramos no colo do útero. Mas aqui também tem muco. Olhem que rápido aquele grupo ali na frente! Vamos atrás?
- Calma, muita calma nessa hora. O personal lover diz que essa tática nem sempre dá certo.
Com certeza, pois o muco tem mais duas funções. A primeira é a de selecionador. Ele elimina do jogo do amor os gametas muito pequenos, muito grandes, sem cauda ou com duas, sem cabeça, enfim, os desafortunados. Em uma ejaculação, nessa fase, apenas de 14% a 30% dos espermatozóides se mantêm na corrida. A eles se dirige a segunda função do muco, a de botar fogo, estimular a turma. É que nós temos um capuz e ele precisa ser quebrado para a conquista do óvulo. O muco nos dá essa capacidade desde que fiquemos um tempo em contato com ele. Por isso os espermatozóides muito apressadinhos podem se dar mal. Até avistam nossa menina primeiro - em cerca de 45 minutos, quando a maioria demora mais duas horas. Mas aí eles não têm força para tirar o chapéu e o esforço não resultará em nada. O ideal é aguardar um pouco no colo do útero. E é possível esperar numa boa. Há umas reentrâncias nas paredes e a gente fica protegido, aguardando os sinais para prosseguir. É o lado feminino que administra essa saída, em turnos. Mas não dá muita briga, não. A maioria de nós vai nos primeiros turnos. Afinal, como disse a mocinha antes, ela não quer dar muita chance para a vida de solteira.
Xi, dois caminhos
- Ufa! Estamos aqui há quase quatro horas. Finalmente, nosso grupo foi liberado. Cheguei a pensar que o personal lover tinha dado uma mancada com aquela história de a gente esperar para ganhar mais energia. Mas estou mesmo me sentindo vigoroso, apaixonado, pronto para um romance. Vamos lá! Subir em direção ao fundo do útero...
- Ei, mas olhem essa bifurcação no meio do caminho! Tem duas trompas! E agora?
Mais um obstáculo para os nossos heróis. O lado feminino organiza a saída, mas não está nem aí para sinalizar o caminho. E não há regras. Alguns espermatozóides vão para a trompa certa, onde está o óvulo. Outros, para a errada e ficam a ver navios. Simples assim. Já ouvi muito a expressão "começar com o pé direito". Deve servir para alguma coisa. No mínimo, para pensar duas vezes antes de tender à esquerda. Aconselhei o grupo a seguir pela trompa direita. Acertei na mosca!
- Ei, ei, estou vendo ela lá no fim!
- Não é estou vendo ela que se fala. Estou vendo-a, aprenda.
- Ah, está tentando me distrair, é? Espertinho...
- Tentando distrair-me, cara. É melhor assim.
- Não enche. Olha lá, que mulherão! Vou correr...
Mulherão mesmo. O óvulo é 16 vezes maior que o espermatozóide. E nosso grupo teve sorte de encontrá-lo, assim de primeira. Poderia ter chegado à trompa antes da noiva. Acontece e, aí, o jeito é dar um tempo e esperar o lance. Os espermatozóides podem aguardar uns três dias pelo óvulo, mas a mocinha só pode suspirar por eles uns dois dias. Colegas meus, europeus, descobriram o seguinte a esse respeito: casais que tinham de cinco a sete relações sexuais por semana engravidavam entre três e quatro meses. Quem mantinha de três a cinco aumentava o tempo para oito meses. E os casais que só transavam uma ou duas vezes na semana podiam demorar até dois anos para ter uma gravidez. Por isso, dizem, a dica para quem quer engravidar é uma só: transar bastante nos dias férteis. Meus colegas aconselham relações a cada dois dias para dar tudo certo.
Irritadinha
- Que bom que chegamos. Mas tem uma coisa. Não é justo! A gente tem de ralar tudo isso, transpor obstáculos, nadar contra a corrente, sobreviver aos ácidos e mucos, fazer escolhas corretas, enquanto a rainha fica aí, só nos esperando?
- Arrrhhhhhggg - grita o óvulo.
A moça ficou muito irritada. E com razão. Todo mundo pensa que ela, por ser um gameta mais passivo, não faz nada. Não é verdade. Sua missão, assim como a nossa, é muito importante. E, exatamente por isso, os gametas femininos também passam por uma apertadíssima seleção. Ao contrário dos homens, que estão sempre produzindo espermatozóides em seus testículos, as mulheres já nascem com cerca de 2 milhões de óvulos. Na infância, vão perdendo-os, até chegar à puberdade com 400 mil. Esse é o estoque até a menopausa. Os óvulos ficam guardados nos ovários, que ovulam mensalmente, geralmente se alternando. Todo mês hormônios comandam, então, uma grande operação: no primeiro dia do ciclo menstrual, um grupo de 100 a 150 folículos com óvulos dentro é pré-selecionado. Por um período de cerca de 14 dias, vai passando por constante triagem. No final, sobra apenas um óvulo, o melhor, que amadurece, rompe seu folículo e é lançado na trompa. O folículo continua no ovário como corpo-lúteo ou amarelo, e será o responsável pela produção do hormônio progesterona, que mantém a gravidez até a placenta assumir esse papel. Ao mesmo tempo, ocorre a preparação do endométrio, a parede do útero que vai receber o óvulo fertilizado. Se ele, o óvulo, não aparece nessa condição, toda a preparação vai embora em forma de menstruação. Geralmente existe uma sincronização entre esses dois processos - ovulação e preparação do útero -, mas pelo menos uma ou duas vezes por ano ocorrem falhas: o endométrio é preparado, mas a mulher não ovula. São os chamados ciclos inférteis ou anovulatórios.
Sonho de valsa
- O.k., o.k. Foi muito legal sua explicação, personal lover, mas agora só estou interessado na moça. Quero ser o vencedor a fecundá-la.
- Ah, não mesmo. O vencedor serei eu. Sai da frente.
- Fiquem vocês dois bobos discutindo, que a dianteira tomo eu. Ela está me esperando. Abram alas.
Esses moços, pobre moços... A luta não terminou. Nessa etapa vocês ainda precisam trabalhar unidos. Na ânsia juvenil da conquista, nem ao menos olharam direito para o objeto da cobiça. O óvulo é como um sonho de valsa. Tem uma camada externa constituída de células de nutrição e proteção, que seria o chocolate, e um núcleo onde estão as informações genéticas: o recheio de amendoim. É a esse maravilhoso recheio que um de vocês deve chegar. Antes, é preciso comer o chocolate. Um trabalho de equipe, no qual enzimas liberadas por vocês para dar conta desse banquete vão enfraquecer a camada externa até o ponto de ela poder ser penetrada. Assim, se por um lado ter muitos colegas significa alta concorrência, por outro esse é o melhor meio de criar clima promissor para um casamento. Com um único espermatozóide, não iria rolar nada. E vocês têm sorte porque o óvulo é jovem. Quanto mais idade tem, mais resistente a capa do recheio de amendoim. Ao trabalho, gente, espalhem-se pelo óvulo e que vença o melhor!
- Ai, já faz quatro horas que estamos aqui liberando enzimas e nada de esse chocolate ficar enfraquecido ou desaparecer.
- Não é verdade, rapazes. Minha intuição feminina diz que vocês estão chegando perto. Não fiquem afoitos. Coloquem-se no meu lugar. Neste altar não há sete noivas para sete irmãos, como no filme. Tenho de escolher bem. Imaginem se acabo com alguém errado, o que será do meu futuro?
- Estou sentindo algo estranho. Nossa, uau, entrei!
- Bem ele, aquele chato que ficava corrigindo o meu português!
- Chato, nada. Preparado, estudado. Com ele, quero me casar. E vocês cheguem para lá, porque estou acionando a minha barreira química. Ninguém mais entra.
- E agora, o que vai acontecer, personal lover?
É o seguinte: os materiais genéticos do espermatozóide e do óvulo vão se unir, juntar suas bagagens numa bela limusine e sair em lua-de-mel como uma única célula com 46 cromossomos - o zigoto. O destino é a tuba uterina em direção ao útero. Entre 12 e 20 horas, o zigoto vai se dividir em dois, depois em quatro, e assim por diante. Quando somar entre 16 e 32 células, mudará de nome, para mórula. As divisões celulares vão continuar até chegar ao útero com cerca de 64 células. Começa a ocorrer então uma divisão interna, para separar o que será realmente o embrião e o que se transformará em placenta. A mórula transforma-se em uma esfera cheia de fluido e é rebatizada de blastocisto. Ele ficará nadando pela cavidade uterina até três dias, enquanto continua a se desenvolver. Depois vai escolher um lugar na parede do útero para se implantar. Aí começa a gravidez. Que seja bem-vinda.